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A base material dos sentimentos - II (2001)


Quando da edição do meu artigo "A Base Material dos Sentimentos" (Cérebro Mente - fevereiro - abril - 2001), eu recebi diversas perguntas relacionadas ao seu conteúdo, e resolvi escrever este segundo texto como se fosse um complemento daquele. 
As perguntas, evocando muitas questões, variaram em profundidade e colocação, mas, uma tendência tornou-se clara: os remédios aliviam sintomas depressivos e de ansiedade, mas não afetam, pelo menos em sua totalidade, as ideias, os pensamentos, o caráter e a personalidade das pessoas. Como se muito do que somos não se desmaterializasse? Como os desagradáveis sintomas das doenças e estados emocionais. 
Em parte isto é verdade. Mas não é tudo. E para explicar ao leitor esta posição, vou começar este artigo falando do nosso comportamento. De onde ele vem? Ficamos irados com algo que não gostamos, podemos estar contemplativos com respeito à solução de um problema ou nos descontrolarmos perante a ele. Ficamos contentes com uma notícia boa e tristes ao saber da perda de alguém querido. Nosso universo de estados comportamentais é muito grande. Conseguimos até adivinhar o que uma pessoa está sentindo apenas pelo seu jeito de agir ou se expressar. 
Pensamos e agimos para reagir adequadamente às situações do meio ambiente. Não fosse essa potencialidade, essa flexibilidade, o ser humano já teria deixado de existir. Sim, nós respondemos às situações ou estímulos do meio ambiente com o nosso comportamento; nascemos com parte de nossa personalidade formada e o resto vem depois, com a nossa criação, educação e experiência de vida. E são elas que vão nos proporcionar as reações adequadas ao enfrentarmos os problemas comuns de nossas vidas. A inteligência entra como um fator a mais só que não é o principal. 
O comportamento é uma manifestação macroscópica do que está ocorrendo dentro de nossas mentes; de reações físico-químicas, biológicas, da nossa atividade neurônica, que influencia todo o corpo. Do "micro" ao "macro" e é aí o ponto fundamental da questão deste artigo. 
Os remédios aliviam sintomas que nada mais são que desequilíbrios no funcionamento da máquina cerebral. O resto, a base de tudo, o que somos, pensamos e agimos, também faz parte deste sistema. É por isto que as doenças mentais afetam nosso comportamento. 
Como um exemplo da manifestação indo do "micro" ao "macro", em termos comportamentais, falarei do aprendizado, sendo ele uma forma de comportamento, pois uma resposta à determinada situação vem acompanhada de um modo de se comportar. Já se conseguiu, em ratos de laboratório, fotografar o momento no qual eles aprendiam qual era o caminho em um labirinto para alcançar um pedaço de queijo. 
Essa experiência envolvendo ratos em labirintos é antiga, clássica, mas o que os cientistas fizeram foi algo no mínimo espetacular: no momento em que os ratos reforçavam o aprendizado do caminho correto, repetindo o trajeto no labirinto, havia uma concentração maior de neurotransmissores nos neurônios em áreas cerebrais ligadas ao aprendizado! O fato "micro", maior concentração de neurotransmissores, se reflete em um comportamento "macro", a descoberta e reforço no caminho ótimo. Digamos que este reforço nada mais é do que outro reforço, a "perpetuação" de ligações neurônicas, uma maior solidez entre as ligações. 
Isto é a natureza do cérebro, como ele funciona; o problema era chegar ao ponto onde fatos deste tipo tinham uma explicação. E este ponto dependia de conhecimentos em várias áreas da Ciência como a Neurologia, Psicologia, Química cerebral e, não menos importante, às técnicas de se trabalhar, fotografar coisas tão delicadas como moléculas, ou, pelo menos, concentrações delas. Só o desenvolvimento da Tecnologia do século XX permitiu tamanho avanço nas descobertas envolvendo fatos em nosso cérebro. 
Sentimentos produzem comportamentos e possuem uma forte base material onde, desde há muito tempo, se atribui a algo imaterial, uma alma ou espírito, como aquilo que gera sentimento. A Ciência está revelando outro aspecto da realidade onde os sentimentos, e mais que isto, o que somos e pensamos são produtos de reações ou conjuntos de reações físico-químicas. Ela pode chegar a um ponto onde se descobre que algo, longe do alcance de qualquer instrumento ou conhecimento, influi em uma ou mais áreas do cérebro, afetando todo ou parte de seu funcionamento. Mas, se perceberem uma circularidade, um fechamento na origem dos processos cerebrais, como se as reações fossem sustentadas sem algo incompreensível, imaterial, atuando nos cérebros das pessoas, então aí começaria uma revolução a qual menciono no meu primeiro artigo.

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